15/08/2025

STF valida devolução de tributos nas contas de luz

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu validar a devolução aos
consumidores de valores referentes a tributos pagos a maior pelas
distribuidoras de energia em decorrência da exclusão do ICMS do cálculo do
PIS e da Cofins, a chamada “tese do século”. Os ministros decidiram pela
validade da lei federal de 2022 que determinou o repasse integral e excluíram os
valores já devolvidos pelas empresas do prazo de prescrição estabelecido no
julgamento — que representa, na prática, o prazo para efetuar o ressarcimento
aos clientes.
A medida elimina o risco, apontado pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), de consumidores terem que devolver valores por meio das tarifas, com
aumento das contas de luz. O risco se dá justamente porque as distribuidoras já
vinham efetuando a devolução. Portanto, com a exclusão dos valores já
repassados do limite temporal aplicado, afastou-se as chances de impacto para
os clientes. A saída foi proposta pelo ministro Cristiano Zanin.
No julgamento, os ministros analisaram a Lei nº 14.385, de 2022. A norma
determinou à agência reguladora do setor elétrico a devolução aos
consumidores dos valores advindos de ações judiciais, transitadas em julgado,
que estabeleceram a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins
cobrados na contas de energia elétrica.
A Aneel já vinha realizando a devolução dos tributos de forma excepcional
desde 2021, quando ainda não havia uma lei editada sobre o tema. Até 2024,
foram repassados R$ 44,5 bilhões. As distribuidoras de energia, contudo,
defenderam no STF que parte dos recursos ficasse com elas por terem
apresentado as ações judiciais para recuperar os valores pagos indevidamente.
No julgamento, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica
(Abradee), que apresentou a ação direta de inconstitucionalidade julgada (ADI
7324) alegou que as empresas tiveram custos diretos e indiretos para obter de
volta o que foi pago a maior e deveriam pelo menos ter direito a recuperar esses
valores — o que foi aceito pelos ministros.
O julgamento havia sido iniciado em setembro de 2024 e suspenso por pedido
de vista do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF. Na ocasião, já
havia maioria formada no sentido de que a lei que prevê a devolução integral
aos consumidores é constitucional, com base no voto do relator, o ministro
Alexandre de Moraes. Ficou pendente estabelecer o limite temporal de cinco
ou dez anos para a devolução e a partir de quando seria contado. Tais pontos,
que geraram grandes debates e idas e vindas entre os ministros ontem, poderiam
impactar as tarifas de energia.
“Esse debate revela a prova aritmética de que o tribunal errou ao declarar a
inconstitucionalidade da incidência do ICMS da base do PIS e da Cofins. Como
temos outras causas em andamento é bom que estejamos advertidos”, afirmou
o decano, ministro Gilmar Mendes. Ele destacou que nos serviços regulados
ainda há chance de devolução, enquanto em outros casos houve
enriquecimento ilícito de quem entrou com a ação.
Por um voto, que quase mudou no último minuto, a maioria dos ministros
decidiu pelo prazo de dez anos de devolução, contados a partir da efetiva
restituição do valor devido às distribuidoras, ou da homologação da
compensação dos valores a elas devolvidos, o que pode variar conforme cada
empresa.
O procurador que representou a Aneel no caso, João Pedro Carvalho, destacou
na sessão que a devolução com prazo baseado na lei e não na disponibilização
do crédito pela Receita — que, em geral, é anterior a 2022 —, geraria grande
prejuízo aos consumidores. Cada distribuidora tem um processo tarifário
específico em que apresenta dados que serão incluídos na tarifa e créditos da
Receita Federal.
De acordo com a advogada da União, Isadora Cartaxo, o vencedor é o
consumidor. “Foi uma decisão muito significativa que garante a restituição para
o consumidor de energia elétrica”, afirmou. Segundo a AGU, há R$ 16 bilhões
a serem devolvidos pelas distribuidoras ainda. Com a ressalva feita no sentido
de preservar o que já foi descontado, é sobre esse valor que a decisão de hoje
do STF se aplicará, analisando em cada caso — concessionária a concessionária
— se há valores que ficam fora do escopo de devolução.
Para o setor, contudo, há a um desincentivo à busca do Judiciário para reaver
os valores, segundo fonte ouvida pelo Valor, uma vez que houve gastos com os
processos e, no fim, a restituição ficará com o consumidor, “havendo
desincentivo inclusive a quem se regularizou conforme a Aneel e pagou os
valores antes”.
Para o advogado Orlando Maia Neto, sócio do Ayres Britto Advocacia, que
representa a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica no
caso, “foi importante, na perspectiva da segurança jurídica do setor, o
reconhecimento expresso da dedução dos custos tributários e advocatícios
incorridos pelas distribuidoras”. Sobre a prescrição, acrescenta, “é fundamental
conhecer os termos exatos do acórdão para que se possa entender com precisão
o alcance do julgamento”.
Segundo Maria Carolina Bachur, sócia do Lobo de Rizzo Advogados, o
julgamento do STF é mais um capítulo da “tese do século”. “No caso específico
das concessionárias de energia elétrica — e de outras concessionárias de
serviços públicos — os efeitos da recuperação de tributos recolhidos a maior
no passado extrapolam a esfera da própria empresa”, afirma ela, apontando que
os tributos pagos impactaram as tarifas cobradas dos consumidores ao longo
do tempo.
Era preciso, acrescenta, determinar os critérios para determinação do valor a
ser devolvido, pois a concessionária incorreu em custos diretos e indiretos para
a condução do processo ao longo dos anos, além de ter suportado o ônus da
tributação sobre os valores recuperados. “Alguns desses pontos foram
enfrentados no julgamento de hoje [ontem] e poderão servir de baliza para
outros setores, além das distribuidoras de energia elétrica”, diz a advogada. “É
sabido que o procedimento da Aneel tem sido usado como fonte de inspiração
para outras agências reguladoras.”